"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Fim da escravatura



NÃO VOU MAIS LAVAR OS PRATOS




Não vou mais lavar os pratos.
Nem limpar a poeira dos móveis.
Sinto muito.
Comecei a ler.
Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi.
Não levo mais o lixo para a lixeira.
Nem arrumo mais a bagunça das folhas no quintal.
Sinto muito.
Depois de ler percebi a estética dos pratos, a estética dos traços, a ética, a estática.
Olho minhas mãos bem mais macias que antes e sinto que posso começar a ser a todo instante.
Sinto.
Agora sinto qualquer coisa.
Não vou mais lavar os tapetes.
Tenho os olhos rasos d'água.
Sinto muito.
Agora que comecei a ler quero entender o por quê, por que e o por quê.
Exintem coisas.
Eu li,e li, e li...
Eu até sorri e deixei o feijão queimar.
E olha que feijão sempre demora para ficar pronto...
Considere que os tempos agora são outros...
Ah, esqueci de dizer: não vou mais.
Resolvi ficar um tempo comigo.
Resolvi ler sobre o que se passa conosco.
Você nem me espere,você nem me chame.
Não vou.
De tudo o que jamais li, de tudo o que entendi,você foi o que passou.
Passou do limite, passou da medida, passou do alfabeto.
Desalfabetizou.
Não vou mais lavar as coisas e encobrir as sujeiras inteiras, nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para ali e de lá para cá.
Desinfetarei minhas mãos.
Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler.
Sendo assim não lavo mais nada e olho a poeira no fundo do copo.
Vejo que sempre chega o momento de sacudir, de investir, de traduzir.
Não lavo mais os pratos.
Li a assinatura de minha lei áurea.
Escrita em negro maiúsculo, em letras tamanho 18, espaço duplo.
Aboli.
Não lavo mais os pratos.
Quero travessas de prata, cozinha de luxo e jóias de ouro.
Legítimas.
Está decretada a Lei Áurea.

Cristiane Sobral

Um comentário:

Emilene Lopes disse...

LIndo texto, bela exaltação a mulher e a nossa lei Áurea.
Bjs da Mila