"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Leia a entrevista com o escritor e poeta Rubem Alves

Leia a entrevista com o escritor e poeta Rubem Alves
Nascido no sul de Minas, em Boa Esperança, mais que um poeta, teólogo, filósofo e psicanalista, Rubem Alves é um ser iluminado. Sua obra já insinuava isso, mas foi durante a entrevista concedida a equipe de Website da FCS que isto ficou de fato desvendado. No bate papo, o homem de luz falou sobre seu amor pela vida e sobre seu processo de criação literária. E com um largo sorriso no rosto deixou claro que sua preferência por esse ou aquele gênero literário vai depender do momento em que está vivendo.

Por: Yany Mabel
1) Um dos temas que conduziu sua conversa com o público no Projeto Sempre Um Papo (15 de abril) foi Encantamentos: os feitiços da leitura e da poesia. Pra você, quais são esses encantamentos? O que na literatura te deixa mais enfeitiçado?
A literatura tem um poder feiticeiro de produzir transformações na vida da gente. Quando você ouve uma estória você chora, você ri, você estremece. No universo não existe feitiçaria, a feitiçaria só existe, só funciona com os seres humanos, com o corpo humano que é o único lugar feiticeiro do universo. Então o objetivo da literatura é fazer a gente decolar da realidade pra ficar numa certa altura, num êxtase, ai então você olha pra baixo e vê a realidade sob uma nova luz. Você percebe coisas que normalmente você não perceberia.
2) O sapo que queria ser príncipe é um livro de memórias, que você escreveu sobre sua experiência com a pobreza, com a miséria. E a obra Sobre Reis, Ratos, Urubus e Pássaros, este enredo foi baseado em alguma estória que de fato aconteceu? Fale um pouco sobre a produção deste seu novo livro infantil...
A produção de estórias nunca é planejada, eu não resolvo assim: vou escrever um livro sobre um rei, um queijo e um rato, não existe isso. Repentinamente a coisa aparece na cabeça da gente. Então o que se tem a fazer é simplesmente pegar essas idéias. O processo de produção é você ficar solto, é esperar, não tem jeito de você programar, não existe um método e nem teoria para você ter boas idéias. A estória simplesmente aparece e você pega a idéia do jeito que ela vem. E a partir daí você pode aparar as arrestas e organizar, isso você pode fazer.
3) Foi inventando estórias que contava para sua filha (Raquel), que descobriu que podia escrever estórias para crianças. Essa lembrança que você trás da sua vida pessoal te faz ter preferência por escrever livros de caráter infantil?
Não, não tenho preferência, quer dizer, depende da hora. Quando você vai para uma mesa e vai comer, uma hora você quer tomar sopa, outra hora você quer comer picanha e outra hora você quer comer risoto. Qual é sua preferência? Varia, tudo depende da hora, depende da idéia. E quando a idéia aparece você fica apaixonado por ela... É como perguntar por qual mulher você é apaixonado. Depende, pode estar apaixonado por essa, por aquela, por aquela outra... A mesma coisa acontece com as estórias. Tudo vai depender de como vai estar meu coração naquele momento e isso eu não posso determinar.
4) Na parte de brinquedoteca, espaço especial na Casa de Ruben Alves, você fala sobre sua infância e da importância de criar seus próprios brinquedos, assim como você fez em toda sua vida e ainda alerta: “Cuidado com os brinquedos comprado prontos: eles podem emburrecer”! Relacionando sua meninice com seu trabalho enquanto poeta, queria saber se o ato de escrever para você é encarado como uma gostosa brincadeira ou se você interpreta esse ofício como uma brincadeira mais séria. Cada livro seria como um novo brinquedo que você cria?
É um brinquedo sim, pensar é brincar com as palavras, não pensar cientificamente, cientificamente você é sério e as palavras não brincam, elas marcham. Já quando você está escrevendo literatura repentinamente as palavras aparecem e elas se parecem alteradas. Então você vai brincando com as palavras. E quando você descobre um jeito novo de dizer uma coisa... Aquilo é uma grande felicidade. Na verdade cada texto que eu escrevo é para mim uma espécie de brinquedo. Mas, não é sempre assim, há certas situações que a gente está sem inspiração e tem que escrever mesmo sem querer. Isso porque eu tenho obrigação de escrever para jornais e revistas. Eu tenho que escrever tendo inspiração ou não. Isso é uma coisa ruim. A literatura verdadeira dá prazer pra gente, quando a gente termina da uma sensação gostosa. Esses dias eu inventei, descobri uma palavra. Estou escrevendo sobre casas, e estou dizendo que as casas têm lugares para esquecer coisas, tem esquecedouros. Você coloca algumas coisas lá e se esquece delas completamente. Essa idéia de ter esquecedouros eu nunca tinha visto em lugar nenhum. Como também tem os lembradouros. Por exemplo, eu olho pra um determinado quadro e me lembro de alguma coisa. A partir daí, a casa não é apenas um lugar para você ficar, é um lugar para você brincar com as lembranças e esquecimento.
5) Além de filósofo e psicanalista, você é Mestre em Teologia e esta foi sua primeira formação acadêmica. O interesse por esses estudos veio a partir de seu contato com a biografia de Albert Schweitzer (escritor e teólogo, especialista na vida de Cristo), por causa dele você até foi pastor protestante. E na literatura? Qual foi sua grande referencia? Existe um nome específico que te inspirou, ou te estimulou a escrever?
Vou dizer dois nomes que não são da literatura brasileira, quando eu comecei minha grande inspiração literária foi Nietzsche, porque ele escreve poeticamente, tudo o que ele escreve é poesia. Por isso pra você traduzir Niet, não basta você saber as palavras, você tem que saber a música. O outro escritor que me instigou foi muito influenciado por Niet, é o Albert Camus. Depois vieram as influências brasileiras, tenho que falar de Machado de Assis, de Guimarães Rosa, Mário Quintana e Adélia Prado.
6) Quando jovem, Albert Camus (escritor e filosofo francês) disse que sonhava com um dia em que escreveria simplesmente o que lhe desse na cabeça. E assim como ele, você disse estar tentando se aperfeiçoar nessa arte, embora ainda se sinta amarrado por antigas mortalhas acadêmicas e logo depois faz ligação com o Nietzsche, dizendo que se sente como ele, que dizia haver abandonado todas as ilusões de verdade. De que forma isso influenciou, ou ainda influência sua vida?
Nos dias de hoje você acredita já ter abandonado todas suas ilusões em relação à verdade? Eu não tenho verdade. Quando falo ter a verdade é você ter capturado alguma coisa. E eu, na minha vida, desde adolescente, capturei tantas verdades que você nem pode imaginar quantas, só pra depois descobrir que aquilo não era verdade coisa nenhuma, que aquilo era fantasia, que aquilo era um equivoco. A minha vida é um constante, você vai pegar alguma coisa e aquela coisa se esfumaça e novamente você pega outra coisa. Por exemplo, a grande verdade que eu tinha era Deus, a Bíblia. Hoje eu leio a bíblia como literatura, não é mais a verdade, é literatura, tem coisas interessantes, edificantes e coisas absolutamente horrosas. Eu não tenho verdade alguma, a única verdade que eu tenho... É o amor que eu sinto pela vida.