"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

Pesquisar este blog

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poemas aos Homens do nosso Tempo

por Hilda Hilst

Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas aos Homens do nosso Tempo - II)

* * *

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua

Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas aos Homens do nosso Tempo - VIII)

* * *

Bombas limpas, disseram? E tu sorris
Um verniz sobre o corpo, limpos, estáticos,
Mais mortos do que limpos, exato
Nosso corpo de vidro, rígido
À mercê dos teus atos, homem político.
Bombas limpas sobre a carne antiga.
Vitral esplendente e agudo sobre a tarde.
E nós na tarde repensamos mudos
A limpeza fatal sobre nossas cabeças
E tua sábia eloqüência, homens-hienas

Dirigentes do mundo.

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas aos Homens do nosso Tempo - XIV)

* * *

Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas aos Homens do nosso Tempo - IX)

* * *

Ávidos de ter, homens e mulheres caminham pelas ruas.
As amigas sonâmbulas, invadidas de um novo a mais querer,
Se debruçam banais, sobre as vitrines curvas.
Uma pergunta brusca, enquanto tu caminhas pelas ruas.
Te pergunto: E a entranha?
De ti mesma, de um poder que te foi dado
Alguma coisa clara se fez? Ou porque tudo se perdeu
É que procuras nas vitrines curvas, tu mesma,
Possuída de sonho, tu mesma infinita, maga,
Tua aventura de ser, tão esquecida?
Por que não tentas esse poço de dentro
O incomensurável, um passeio veemente pela vida?

Teu outro rosto. Único. Primeiro. E encantada
De ter teu rosto verdadeiro, desejarias nada.

(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas aos Homens do nosso Tempo - XIII)

* * *

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.

Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
"Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas".
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto

Não cabe no meu canto.


(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Poemas aos Homens do nosso Tempo - XVI)


(Poesia: 1959 - 1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)

sábado, 24 de julho de 2010



Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos. (CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis, 2004, p. 28).

Foto: Mariana de Paula Alves, Cordisburgo/MG, 2008.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Soneto do amigo














Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

Vinícius de Moraes

terça-feira, 20 de julho de 2010

BONS AMIGOS



















Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

Machado de Assis

 
20 de julho - Dia Internacional da Amizade
 
A origem da comemoração é controversa, isto é, ninguém sabe ao certo como foi exatamente que surgiu a idéia de se criar um dia especialmente dedicado aos amigos.

Acredita-se que a idéia tenha partido de um dentista argentino, Enrique Febbraro, que entusiasmado com a corrida espacial na década de 60 decidiu homenagear o feito do homem ao chegar à Lua no dia 20 de julho de 1969. Considerando a conquista não somente uma vitória científica, mas também uma oportunidade de se fazer cada vez mais novos contatos, ele escolheu esta data para fazer uma festa dedicada à amizade.

A história diz ainda que a comemoração tornou-se oficial na cidade de Buenos Aires em 1979 e, aos poucos, acabou sendo adotada em outras partes do mundo. Ao Febbraro divulgar o lema “Meu amigo é meu mestre, meu discípulo e meu companheiro”, essa data foi aos poucos sendo adotada em outros países e hoje, em quase todo o mundo o dia 20 de julho além de lembrar a chegada do homem à Lua, marca de forma especial o Dia do Amigo.

http://www.olharpedagogico.com/site_detalheNota.php?id=13



segunda-feira, 19 de julho de 2010

"Nos demais, todo mundo sabe, o coração tem moradia certa, fica bem aqui no meio do peito, mas comigo a anatomia ficou louca, sou todo coração."

Maiakóvski

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Memória



Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão

Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 13 de julho de 2010

Limites

Adélia Prado


Uma noite me dei conta de que possuía uma história,

contínua, desde o meu nascimento indesligável de mim.

e de que era monótona com sua fieira de lábios, narizes,

modos de voz e gesto repetindo-se.

Até os dons, um certo comum apelo ao religioso

e que tudo pesava. E desejei ser outro.

Minha mãe não tinha letras.

Meu pai freqüentou um Ginásio por três dias

de proveitoso retiro espiritual.

Tive um mundo grandíssimo a explorar:

“demagogia, o que é mesmo que essa palavra é?”

Abismos de maravilha oferecidos em sermões triunfantes:

“Tota pulchra est Maria!”

Só quadros religiosos nas paredes.

Só um lugar aonde ir

- e já existiam Nova Iorque, Roma!-

Tanta coisa eu julguei inventar,

minha vida e paixão,

minha própria morte,

esta tristeza endócrina resolvida a jaculatórias pungentes,

observações sobre o tempo. Aprendi a suspirar.

A poesia é tão triste!

O que é bonito enche os olhos de lágrimas.



Tenho tanta saudade dos meus mortos!

Estou tão feliz! À beira do ridículo

arde meu peito em brasas de paixão.

Vinte anos de menos, só seria mais jovem.

Nunca, mais amorável.

Já desejei ser outro.

Não desejo mais não.


(Terra de Santa Cruz, 1986)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ah! Os relógios




Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
 
 
(Mário Quintana, A Cor do Invisível)

sábado, 3 de julho de 2010

AMOR


A formosura do teu rosto obriga-me

e não ouso em tua presença

ou à tua simples lembrança

recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.

Quisera olhar fixamente a tua cara,

como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.

Mas não tenho coragem,

olho só tua mão,

a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta

pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor incansável

que tudo rói e banha e torna apetecível:

caieiras, desembocaduras de desgostos,

idéia de morte, gripe, vestido, sapatos,

aquela tarde de sábado,

esta que morre agora antes da mesa pacífica:

ovos cozidos, tomates,

fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.

Recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas, rispidez de teu lábio que

suporto com dor

e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,

lâmina encostada em teu peito. Fala.

Fala sem orgulho ou medo

que à força de pensar em mim sonhou comigo

e passou um dia esquisito,

o coração em sobressaltos à campainha da porta,

disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.

Nem é preciso que o amor seja a palavra.

"Penso em você" - me diz e estancarei os féretros,

tão grande é minha paixão.

(Adélia Prado)


Ilustração: "O beijo".
A escultura do artista francês, Auguste Rodin, foi inspirada em sua assistente e amante Camille Claudel.