"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Entre o céu e a Terra, chega-se mais facilmente a Marte...


 O CÉU:

Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na comunhão dos Santos,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna.
Amém.
(Parte final do Credo)



A TERRA:

"Realmente, não acredito na vida eterna, embora vá inventando formas de dar alguma eternidade à vida.", afirma Saramago, durante entrevista concedida à Revista Playboy, no ano em que ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.


E MARTE:

Discurso perante os amigos, logo após receber o Nobel:

Chega-se Mais Facilmente a Marte...

Por JOSÉ SARAMAGO
Sexta feira, 11 de Dezembro de 1998

Cumpriram-se hoje exactamente cinquenta anos sobre a assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não têm faltado comemorações à efeméride. Sabendo-se, porém, como a atenção se cansa quando as circustâncias lhe pedem que se ocupe de assuntos sérios, não é arriscado prever que o interesse público por esta questão comece a diminuir já a partir de amanhã. Nada tenho contra esse actos comemorativos, eu próprio contribuí para eles, modestamente, com algumas palavras. E uma vez que a data o pede e a ocasião não o desaconselha, permita-se-me que diga aqui umas quantas mais.

Neste meio século não parece que os Governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados. As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante.
 
Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os Governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aqueles que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos. Pensemos que nenhuns direitos humanos poderão subsistir sem a simetria dos deveres que lhes correspondem e que não é de esperar que os Governos façam nos próximos cinquenta anos o que não fizeram nestes que comemoramos. Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra. Com a mesma veemência com que reivindicamos direitos, reivindiquemos também o dever dos nossos deveres. Talvez o mundo possa tornar-se um pouco melhor.
           Não esqueci os agradecimentos. Em Frankfurt, no dia 8 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel de Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos escritores portugeses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto, mas isto foi-me dado. Bem hajam, portanto.

Fonte: Jornal da Poesia - http://www.revista.agulha.nom.br/1saramago6.html

2 comentários:

Emilene Lopes disse...

Adorei essa frase dele..."Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante" Grande sabedoria, ficamos com suas pérolas.
Bela homenagem!
Mila Lopes

Maria disse...

Tb gostei mto. Fiquei procurando um modo de homenageá-lo sem ficar falando sobre a morte, e, ao mesmo tempo, ressaltar o lado polêmico que tanto marcou sua existência. Ele era todo humano...
Um abraço,
Maria