"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

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quarta-feira, 24 de março de 2010

Continuando com Patativa...


VOCÊ SE LEMBRA?

À minha querida esposa BELINHA

Você se lembra de um feliz passado
E inda gravado está no coração?
No que nos deu uma alegria imensa,
A gente pensa e não se esquece não.

Daquela quadra eu faço ainda estudo
Relembro tudo e dou louvor a Deus,
Versos saudosos a minh’alma canta
Lagoa D’Anta dos prazeres meus

Faz muito tempo, mas eu relembro aquelas
Noites tão belas, bem enluaradas,
Você, repleta de vigor e graça,
Lavava massa pelas farinhadas.

Eu, rude bardo, uma paixão cantava
E lhe julgava nos meus doces cantos,
A camponesa minha preferida,
Para na vida consolar meus prantos.

Esperançosos fomos nos amando,
Ambos pensando em um feliz noivado,
Até que um dia o nosso lindo sonho
Sempre risonho foi realizado.

Cumprindo as juras com prazer infindo
Cantando e rindo pela vida afora
A gente via no conjugal ninho
Luz e carinho de uma nova aurora.

Trinta e seis anos nós assim vivemos
Exemplos demos de coração nobre,
Com paciência dentro da guarida
A nossa vida de família pobre.

Aos trinta e sete, que tristeza a nossa!
Deixei a roça com a gente vê
E conduzido pelo negro fado
Vivo afastado, longe de você.

Longe e saudoso neste meu retiro,
Triste suspiro do meu peito arranco.
E quero ainda no meu lar viver!
Eu quero ver o seu cabelo branco.

Querida esposa, guia do meu norte,
Vejo que a sorte veio contra mim;
Para quem tem um coração sensível,
É muito horrível padecer assim.

Guanabara-novembro/74.

ASSARÉ, Patativa do. Cante lá que eu canto cá: filosofia de um trovador nordestino. Vozes: Ceará, 1992, 8ª edição, p.163-64.

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