"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Escrito na orelha...


Após onze anos da publicação de seu último livro de poemas, Muitas vozes, Ferreira Gullar entrega ao público, agora, este Em alguma parte alguma, em que se dá prosseguimento à reflexão poética sobre a existência, difere dos livros anteriores ao desenvolver novos temas e, sobretudo, pelas questões que suscita na realização do poema.

É ele mesmo quem costuma assinalar, como característica de sua produção, o fato de que, sem que o busque deliberadamente, cada um de seus livros de poemas difere do outro, bem mais do que costuma ocorrer num mesmo autor. Faz questão de observar que não planeja seus livros de poemas, sendo eles, portanto, resultado da própria indagação poética e da reflexão sobre a vida e sobre seu trabalho de poeta. Segundo afirma, o seu poema nasce do 'espanto', quando depara-se com um aspecto inesperado do real e, a partir daí, vão se sucedendo os poemas, até que a motivação se esgote. Isso explica a recorrência de determinados temas, que, tempos depois, voltam a ganhar atualidade.

Nestes últimos anos, a obra de Gullar, já consagrada pela crítica e pelos leitores, foi distinguida com prêmios de alta significação na vida cultural, como o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, e, este ano, com o Prêmio Camões, a mais alta distinção que se concede a escritores de língua portuguesa.

Ferreira Gullar foi também indicado ao Prêmio Nobel de Literatura em 2002 e 2004.

"Orelha" do livro Em alguma parte alguma. de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro, José Olympio, 2010.

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OFF PRICE

Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
                     fora de esquema
                     meu poema
inesperado

               e que eu possa
               cada vez mais desaprender
               de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado


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