O que não temos quando amamos.
O barco pára, largo os remos
E, um ao outro, as mãos nos damos.
A quem dou as mãos?
À Outra.
Teus beijos são de mel de boca,
Sãos que sempre pensei dar,
E agora a minha boca toca
A boca que eu sonhei beijar.
De quem á a boca?
Da Outra.
Os remos já caíram na água,
O barco faz o que a água quer.
Meus braços vingam minha mágoa
No abraço que enfim podem ter.
Quem abraço?
A Outra?
Bem sei, és bela, és quem desejo…
Não deixa a vida que eu deseje
Mais que o que pode ser teu beijo
E poder ser eu que te beije.
Beijo, e em quem penso?
Na Outra.
Os remos vão perdidos já,
O barco vai não sei para onde.
Que fresco o teu sorriso está,
Ah, meu amor, e o que ele esconde!
Que é do sorriso
Da Outra?
Ah, talvez, mortos ambos nós,
Num outro rio sem lugar
Em outro barco outra vez sós
Poderemos recomeçar,
Que talvez sejas
A Outra.
Mas não, nem onde essa paisagem
É sob eterna luz eterna
Te acharei mais alguém na viagem
Que amei com ansiedade terna
Por ser parecida
Com a Outra.
Ah, por ora, idos remo e rumo,
Dá-me as mãos, a boca, o teu ser.
Façamos desta hora um resumo
Do que não poderemos ter.
Nesta hora, a única,
Sê a Outra!
Fernando Pessoa
KLIMT, Gustav. O beijo (1907-08). |
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