A primavera acaba de chegar, Cecília! Estamos no 9º minuto do dia 23 de setembro de 2010 (Cosmobrain Astronomia e Astrofísica).
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
Cecília Meireles
Texto: “Cecília Meireles – Obra em Prosa – Volume 1″, Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1998, p. 366.
Foto: Fernando Gomes (Avenida Brasil, em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul).
3 comentários:
Já chegou!!! Lindo o texto da Cecília: "A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la."
Adorei o post.
Teresa, me fala uma coisa: como você fez para inserir o link do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira no teu blog, daquele jeito que está lá, como uma espécie de logotipo? Gostei, queria inserir, mas não sei como...
Abraço.
Bom dia, Mariana! Manda uma msg pro meu e-mail - marianadpaula@yahoo.com.br - que te passo as instruções sobre como inserir o link com o logotipo, ok?! Abraços!
Merci. Já anotei e salvei seu e-mail, escreverei assim que der. Por ora, estou mergulhando em Manuel Bandeira, para tentar fechar um capítulo fundamental da minha tese.
Abraço.
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