"Sei o que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia, as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados. - E eu não sei? Mas de novo vos digo: sejamos delicados. E, se necessário for, cruelmente delicados." Afonso Romano de Sant'Anna

"... acordar a criatura humana dessa espécie de sonambulismo em que tantos se deixam arrastar. Mostrar-lhes a vida em profundidade. Sem pretensão filosófica ou de salvação - mas por uma contemplação poética afetuosa e participante." Cecília Meireles

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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

ULTIMATUM



Mandado de despejos aos mandarins do mundo
Fora tu, reles esnobe plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
E tu da juba socialista, e tu qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos.

Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir.
 
Ultimatum uma voz que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar
Sim, todos vós que representais o mundo

Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Passai Frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa
Descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso tudo a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta

Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais janelas
Do que todas as janelas que há no mundo.

Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão
E o mundo quer a inteligência nova
Sensibilidade nova
O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está a apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada.

Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um mundo novo
Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico
E saudando abstratamente o infinito...

Álvaro de Campos, 1917
(Edição de Maria Bethânia, declamado no Show Dentro Do Mar Tem Rio)

Para assistir, clique aqui http://www.youtube.com/watch?v=Ja9Vercrab0

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